Thursday, May 05, 2011

WWE - It's Entertainment



Penso que não seja segredo nenhum que, há poucas semanas, meses após a apresentação oficial de Paul Levesque (Triple H) como Vice-Presidente de "Talent Relations", a WWE largou por completo a designação "World Wrestling Entertainment", preferindo apenas passar a ser tratada por "WWE".

A reacção geral dos fãs mais "hardcore" de wrestling foi largamente: "O quê? Vão deixar de ter wrestling? Então a WrestleMania vai chamar-se EntertainmentMania" (essa foi das melhores que ouvi), entre outras pérolas que tal.

A verdade é que a palavra "wrestling", mesmo cá em Portugal, não tem das melhores conotações. A dada altura, penso ter havido um manifesto de um grupo de pais, que se insurgiu contra a emissão do SmackDown na SIC (outro assunto que dá pano para mangas).

Porquê? A noção, quando não é o típico "é uma palhaçada", é justamente o oposto para quem não conhece, e não percebe do que fala: "É muito violento".

Violento?? Não vejo a UFC a ter papás e mamãs irritados a bater-lhes à porta às nove da manhã de Segunda depois de um PPV, ou a mandar "hate mail" às doses industriais, com esperança de que os servidores deixem de funcionar. (Sim, sempre eficaz. É isso mesmo que vai parar um negócio de milhões)

A questão aqui não é apenas a percepção; é uma questão de criação.

Desde cedo que, após o wrestling ter sido criado nos finais de 1800 como atracção de feira, começou a ser vendido pelos promotores gananciosos como desporto a sério. Um desporto, que por sinal, contava com alguns tantos "lutadores" a provocar de forma quase assustadora um público, que por vezes se insurgia à facada, literalmente. Roddy Piper é prova viva disso mesmo, tendo já sobrevivido a três facadas, uma das quais a meros centímetros do coração.

E quando assim é, instala-se a confusão. Não por causa das facadas... Por causa do modo como um produto é vendido. Já na altura havia quem suspeitasse que o "wrestling" era falso, e muitos acreditavam que era verdadeiro.

Entra Vince McMahon no panorama, nomeia a empresa que compra ao pai de "WWF" (eliminado o terceiro "W" da então WWWF, ou World Wide Wrestling Federation), e toca de levar toda a gente por arrasto. Adeus aos territórios, tudo o que é grandes talentos, toca de vir para cá para cima (naquele que era chamado o "território de Nova Iorque", a então sede da WWF) e está na altura do wrestling se tornar comercial.

Poucos aninhos depois temos Hulk Hogan, Randy "Macho Man" Savage, Roddy Piper, Sgt. Slaughter e a lista de personagens coloridos (quase super-heróis humanos) continua por aí fora. Realiza-se, a muito custo e sacrifício, a primeira WrestleMania, e desde então que o mundo do wrestling nunca mais foi o mesmo.

Lembro: o wrestling nunca foi desporto de competição ao estilo do boxe, ou mais recentemente das MMA, por exemplo. Sempre foi... desporto de entretenimento.

"Mas vamos vender este produto como desporto, que é para as pessoas não ficarem desiludidas e isto continuar a facturar", é a filosofia da altura.

Mas o público jovem cresce, e termina o interesse pelos heróis bonzinhos que tomam vitaminas dia e noite. (Essas vitaminas, na altura, eram outras! Um produto secundário da imagem que ainda hoje compõe o wrestling)

Agora o púbico já era mais crescido, e em plena década de 1990, categorizada pela rebeldia da música Grunge e de uma sociedade a entrar em profunda metamorfose a todos os níveis, agora o que se queria era violência e sangue.

ECW em grande. Hardcore matches a "dar c'um pau". Quem não levasse com uma catanada na testa, não era homem!

"Vende, não vende? Puxa para cá!" E assim se instala definitivamente a "Attitude Era", cujo nome diz tudo. Aliás, basta fazer uma procura rápida no YouTube, para ver uns belíssimos exemplos que a exemplificam. (Uns melhores, outros piores)

Mas cuidado... Tudo o que é entidade pública tem de ter muita atenção ao que faz, e a WWF estava em período de plena explosão mundial, provocado ainda mais pela concorrência acentuada com a WCW, e pela existência da ECW, então mais conhecida apenas pelos fãs realmente mais "hardcore", e não pelo público casual.

"Meninos, não façam isto em casa"... Pois, mas faziam! E com a WWF conhecida, e bem conhecida pela América fora, o que não faltava eram meninos a fazer disparates em casa.

Processos legais uns em cima dos outros. Agora o Joãozinho fez um suplex à Maria, e ela foi parar ao hospital. O Diogo partiu o braço a brincar ao "réssling". O Tiago partiu a cabeça ao saltar do terceiro andar e arrisca-se a ficar paralítico para a vida (Boa, Tiago! Essa foi de génio!).

Nota do redactor: breve adaptação cultural efectuada.

É nesta altura que a WWF, quase a tornar-se WWE diz "Acabaram-se os processos legais. Já não podemos ver advogados à frente. Vamos lá mas é acalmar, antes que isto dê para o torto".

Wrestling acalma. WCW vai à vida. ECW vai à vida. Audiências perdem com isso, público mais sedento de sangue perde o interesse... (Temos pena. Vão ver vale-tudo, que lá há ossos a saltar dos braços)

E é aqui que me parece que a jogada é estratégica, de um ponto de vista de negócio: se a empresa quer sobreviver, sem ser crucificada em praça pública, (e sendo a WWE, entretanto, uma empresa pública cotada na bolsa), tem de optar por melhores decisões. "Vamos continuar a dar bons combates, mas sem ser necessário este exagero de sangue todo. Porque no fundo, isto não é, nem nunca foi um desporto competitivo: é entretenimento, por isso vamos assumir-nos como tal".

Bravo! Agora sim, estamos a entrar nos eixos.

E digo isto porque, feliz ou infelizmente, foi a própria WWE que criou a maior ilusão de todas: que o "wrestling" que praticam é desporto. Ou não tivesse o nome que ainda tem para o público!

"Sports entertainment" é, de facto, uma designação mais adequada. Metade teatro, metade desporto pela componente atlética mais do que merecedora.

"E já agora, já que houve aquele trinta-e-um lá em Montreal, vamos começar a mostrar às pessoas como é que funciona... Tipo 'making-of': se virem como um filme é realizado, se calhar ganham mais respeito pela arte".

E não funciona? Penso que a actual temporada do Tough Enough seja um perfeito exemplo disso mesmo. Claro que os lutadores "old school", que ainda levaram umas boas facadas e ameaças de morte por protegerem os seus personagens e a natureza do "wrestling" devem estar à volta nas tumbas, mas isso agora é outra conversa.

A verdade resumida é que, quando se percebe como uma coisa é feita, tem-se muito mais respeito pela sua natureza. Pelo menos evitava-se que nós, fãs de wrestling, tenhamos de passar pelo ridículo em festas de anos de amigos, quando nos perguntam "gostas de wrestling? Mas isso é tudo uma palhaçada"...

E com esta evolução, vem uma componente curiosa, e não tenho dúvidas, bem recebida pela WWE: a aceitação comercial da parte dos famosos.

É verdade, esses famosos que antes não queriam ter nada com isso do "réssling", depois das primeiras WrestleManias, eram eles que vinham bater à porta da sede em Stamford, Connecticut.

E esse fenómeno está a aumentar, ainda hoje. Um bom exemplo foi a "festa de anos do Rock" no último Raw, no qual se viu uma mão-cheia de famosos de vários géneros a dar a cara publicamente, e a mostrarem-se interessados (e contentes!) por estarem envolvidos com a WWE. É um fenómeno que também já viu a sua presença no conceito do Raw Guest Host, em que todas as semanas, era um famoso diferente.

E como não pode deixar de ser, Vince McMahon e a WWE devem estar a esfregar as mãos de contentes! E com razão: como qualquer produto que se venda, quando é apresentado por um famoso, ganha logo mais visibilidade e notoriedade; algo que a WWE precisa desesperadamente, para fugir ao "monstro" que criaram de que o "wrestling é o bicho mau!"

E faz sentido que exista esta parceria. No fundo, "wrestling" não deixa de ser puramente entretenimento. Sim, com histórias, com teatro, com a novela toda, mas também alguns dos melhores atletas do mundo a "contarem uma história com o corpo" (obrigado, Bammer!), que quando é bem contada, nos faz vibrar, nos envolve, nos cativa e nos faz sentar na borda do sofá em antecipação para aquilo que ainda vem.

Tal como um bom filme de acção. Tal como um bom drama. Tal como uma boa história, com ou sem comédia, com ou sem romance, mas com adrenalina obrigatória. A emoção está lá, e é isso que conta.

A WWE quer ser conhecida apenas como "WWE". Seja! Tem de ser assim para se tornar mais abrangente, mais aceite pelo público (e patrocinadores, bastante importante para um negócio), mais rentável, e pelo meio, mais respeitada. As pessoas prestam mais atenção quando não se vai buscar o bicho mau do "wrestling". E se é esse o passo a dar para este desporto de entretenimento que nós adoramos ser mais compreendido, mais adorado, e mais popular, então é um pequeno sacrifício que vale a pena.

Porque o que interessa lembrar é que o wrestling será sempre wrestling, e nunca fugirá àquilo que o caracteriza, pois é essa a natureza que lhe dá sucesso.

Por isso, se quiserem mudar o nome mudem. No fundo, será sempre aquilo que sempre foi: entretenimento.

1 comment:

Mic@el said...

Texto espectacular!