Monday, February 07, 2011

UFC na Sport TV 3


Já não é novidade nenhuma: a Sport TV 3 viu o seu primeiro PPV da UFC a estrear Domingo de madrugada, pelas três da manhã, em alta definição, e em HD.

Diga-se, desde já, que foi uma excelente aquisição da parte do canal, e ainda por cima com um excelente cartaz. Foi uma jogada estratégica da Sport TV adquirir este conteúdo "premium", visto que a UFC vai ganhando cada vez mais força no nosso país.

Seria de pensar que talvez fosse possível fazer o mesmo com os PPVs da WWE (que já são comentados em português), mas há uma grande diferença entre haver uma emissão na madrugada de Domingo, e outra na madrugada de Segunda...

Felizmente, aqui não temos que escolher, conforme já referi num post passado. Ao passo que nos EUA, os americanos têm de desembolsar 35€ por cada PPV, aqui com 20 e muitos por mês para o pack Sport TV, fica a festa feita.

O conteúdo funciona, o horário também... Resta apenas a delicada questão dos comentários em português.

Sou um pouco suspeito ao falar desta matéria, dada a minha qualidade de comentador do SmackDown na TVI... em português. Nem quero, tão pouco, ser mau "colega" do meio de comunicação, e desmanchar o trabalho do João Bacalhau e Pedro Rodrigues, comentadores da 126ª edição do UFC. Mas há, de facto, algumas sugestões que eu tenho a fazer, que penso que se chegarem aos ouvidos certos, todos (e friso esta palavra) temos a ganhar.


A Questão da Língua de Camões

Já me pronunciei acerca disto várias vezes ao longo do percurso deste blog. Acho lamentável o quanto temos vergonha da nossa língua. Ele é novelas, ele é músicas, ele é comentários na TV... De alguma forma, conseguimos, enquanto espectadores/ouvintes/receptores antipatizar sempre com a língua que nos é nativa, e que por sinal, é das mais bonitas e mais completas de toda a Europa. Mas a verdade é que vivemos num ciclo vicioso: primeiro criticamos o que vem de fora, mas também não conseguimos viver sem isso. E depois, não queremos outra coisa. É uma questão de mentalidade da nossa cultura, não há nada a fazer.

Neste caso, antipatizamos, de modo geral, com os comentadores, como se estes não soubessem a matéria, e como se não levassem já alguma preparação feita para um determinado programa. Preparar um SmackDown não é nada do outro mundo... Mas dá trabalho. Imagino que também dê para os restantes programas da WWE na Sport TV, e igualmente para o UFC.

Porém, a grande maioria das vezes o problema não está no português; está noutro aspecto.


It's Live!

Não deve ser tarefa fácil comentar um PPV em directo, três horas seguidas, das três até até às seis da manhã. Repito: PPV. Directo. Três horas a fio. Às tantas da madrugada. Há que ser justo, e dar o devido reconhecimento. O cansaço é maior, a concentração acaba por pecar um pouco, e assim os comentários sofrem de igual forma. Mas feliz, ou infelizmente, é o único modo de os fãs da UFC sequer terem um PPV em directo, sem ser por sites de streaming manhosos, (e altamente ilícitos).

Mas uma questão que cabe, tanto à produção, como aos comentadores, é darem emoção à coisa. É insuportável estarmos a ver um PPV em directo, de MMA, às tantas da manhã, com dois atletas de alta competição a espancarem-se, e cá em casa sermos obrigados a ouvir o volume da plateia e do "Octógono" no mínimo, com especial destaque dado aos comentadores, que falam com a emoção de quem está a ver um jogo de golfe, ou uma partida de póquer. Não funciona.

Numa escala mais pequena, bem diferente do problema da mentalidade e da nossa receptividade à nossa própria língua, está a descrição do trabalho para o qual todos nós, profissionais de comunicação, somos chamados a fazer: "Comentários". Nós não fazemos comentários. Não devia ser essa a descrição. Especialmente no que toca a desportos de alta adrenalina. "Narração" é o termo mais correcto, no qual todos nos devemos basear.

Nós somos a voz do público, para o público. Cabe ao espectador lá em casa sentir cada palavra nossa no calor da acção, como sente cada golpe desferido. Os comentários vêm depois, nos momentos mortos, em momentos de observação, de ponderação, ou até de algum humor e crítica. Tal como os atletas que se encontram no ringue, ou no Octógono, temos de ser story-tellers. De que outro modo tencionamos cativar o espectador? Com uma análise fria e científica? Este público em especial quer ver "pancada", não quer ver um documentário.

Este sim, já é um problema que está ao alcance dos poucos profissionais que praticam "comentários" de desportos de combate mudar. Ouçam o JR. Ouçam o Michael Cole. Ouçam o Joe Rogan. Reparem na emoção que eles trazem consigo para o mais medíocre dos combates. Zanguem-se com o técnico de som, digam-lhes que querem ouvir na mistura os gritos da plateia e dos murros na cara, e ponham-se no meio da acção. It's LIVE!


Palavras... para quê?

Um aspecto que eu tenho a louvar da parte da dupla que comentou o UFC 126, foi porem o espectador a par do funcionamento das regras, e dos combates. É um bom chamariz, para quem viu casualmente o evento pela primeira vez, e que talvez tenha ganho interesse pelo conteúdo. Com um pouco mais de informação relevante fora do ringue, os comentários teriam ficado mais completos, mas isso, entendo, é um "work in progress". Afinal, esta foi a primeira emissão.

Mas também há espaço para deixar respirar. Uma larga percentagem da nossa população percebe inglês, nem que seja a um nível mínimo. É bom haver uma "dessaturação" pontual, e ouvir o que os lutadores têm a dizer nas promos (em especial, os brasileiros, que se percebe perfeitamente), e sobretudo, não passar para segundo plano os nomes habituais de referência do programa, como Michael Buffer, ou até o Mike Goldberg e o Joe Rogan.

Respeitem que os fãs da UFC têm um relacionamento emocional, (se assim quisermos chamar) muito especial com estas personalidades/personagens, e que os queremos ouvir, mesmo que só compreendamos metade. (Afinal, ficamos a perceber o mesmo, ou mais, se sacarmos o PPV da "net"). Há espaço para os verdadeiros "comentários" logo a seguir.


Em Suma

Há que dar um grande desconto, e há que deixar crescer. Foi o primeiro trabalho de dois novos comentadores que se estrearam na tarefa ingrata de "comentar" (narrar!) um UFC.

Mas a competição é feroz, e a Internet não pára. No dia a seguir ao evento, são literamente milhares de pessoas que estão a partilhá-lo na net, e está no computador de quem o queira num espaço de horas, ou até menos do que isso, e num horário perfeitamente acessível a todos, ao contrário de um directo que só começa às três da manhã.

MMA está em crescimento no nosso país, e é um desporto legítimo. Deve ser apoiado como tal. Nesse aspecto, não me faz confusão nenhuma ouvir comentários em português.

Mas se a Sport TV quer que este formato funcione, terá de procurar entender melhor o que faz este produto funcionar, em vez de simplesmente colocá-lo na grelha na qualidade de grande atracção, meter comentários em português e esperar milagres. A Coca-Cola não vende, só porque tem gás, ou porque sabe a xarope doce.

A iniciativa é boa. Daqui, resta agora uma boa execução.

3 comments:

Anonymous said...

Caro Alexandre,

Obrigado por todas as criticas construtivas e acima de tudo por isso por serem construtivas.

Quanto ao "atropelamento" das entrevistas e clips promocionais concordo em pleno com o que referistes, foi uma falha crassa da nossa parte, ao ver o trabalho feito...hoje...percebi que não deixamos o publico "respirar" e desenjoar da nossa voz. O que apesar de admitir ser uma falha a não repetir, aconteceu talvez por ser a estreia absoluta no que toca a comentar/narrar um LIVE.

Já o entusiasmo, na minha visão poderá ser amplificado por som ambiente como referistes, mas penso que nunca com "gritaria" da nossa parte, o MMA apesar de ser um showbiz, é tambem uma arte, seria e muito complexa, a "gritaria" não me parece que fosse vender mais o produto mas sim irritar quem estivesse a tentar perceber o que se passa.

Talvez estarmos mais à vontade ajude a transmitir mais emoção da nossa parte, mas isso apenas conseguiremos alcançar com experiencia, tal como provavelmente aconteceu contigo na tua carreira de comentador.....

Sobre o uso da lingua de camões...não sei exactamente a que te referes, mas se for ao estrangeirismo dos golpes...eles nao sao portugueses, e devem ser chamados pelo nome usado na sua lingua original.....mas talvez nao seja isso a que te referes....

Que mais poderá ter corrido mal?? Havia mais por dizer dos lutadores, poderiamos ter dado mais enquadramento de lutas anteriores.....talvez....mas ao mesmo tempo, já demos muita muita info importante e definida por nos como essencial para uma primeira emissão que não apenas "fãs" ja fidelizados seguiram...mas tambem muita, muita gente que assistiu pela primeira vez a um evento UFC, apenas eu sei de cerca de 20 pessoas que viram ontem pela primeira vez....apenas eu !!!!

Dai a nossa preocupação em dizer quem é quem e como acontecem as coisas dentro do octagono.

Sobre descrição tecnica das lutas....a menos ninguem poderá acusar-nos....a mais?? talvez...nao foi facil controlar o entusiasmo juntamente com o nervosismo de estreia e com o facto de estarmos a comentar pela primeira vez juntos.

Finalmente e em suma, obrigado pela tua contribuição para que nas proximas vezes sejamos melhores. Fica a nota de libertar entrevistas e teasears do nosso ruido vocal.
Fica tambem a nota de tentarmos aumentar um pouco o entusiasmo atravez de mais à vontade e interação entre nos talvez.

Abraço, Pedro Rodrigues

Alexandre Bettencourt said...

Oi Pedro,

Que fique registado, acho que com os (parcos?) recursos que tinham, e dada a pressão do momento, acho que se safaram até muito bem.

É apenas uma questão de existir algum "fine-tuning" para a coisa correr ainda melhor, mas isso, repito, é uma questão de tempo.

Quanto à "língua de Camões", referia-me apenas aos comentários estarem em português, não entrando em especificidades :) É esse o maior obstáculo, mas acho que como tudo, é uma questão de hábito. Devemos mover-nos nesse sentido, é essa a direcção, daí serem importantes estes pequenos ajustes.

O SmackDown entretanto conta com 120 a 150 mil espectadores por semana... É gratificante ver que há quem goste do formato em português.

São mentalidades :)

Um forte abraço, e terei todo o gosto em trocar dois dedos de conversa num futuro evento da UFC (quem sabe?) ou até, WWE, entre dois "colegas de profissão" ;))

Anonymous said...

Caro Alexandre,

Será para mim uma honra e um privilegio poder ter esse dois dedos de conversa.

Os erros são motivos para nos tornar-mos cada vez melhores e o dialogo e troca de experiencias será o melhor caminho.

Abraço