Friday, February 27, 2009
Crítica: "The Wrestler"
Tudo começa e acaba com o rugido dos fãs.
No outro dia, recebi um mail de um eventual leitor do meu blog (acho que o dito ainda não se decidiu) em como o wrestling era um "evento" no qual os lutadores se "dopam, transmitem maus valores às sociedades civilizadas" e que achou particularmente lamentável o facto das lutas serem encenadas. A sua única fonte de informação relativamente ao tema vasto e específico que é o wrestling? O filme "The Wrestler", que estreou ontem, Quinta-feira, nas nossas salas de cinema.
"O Wrestler", título de adaptação portuguesa, trata, como diz o nome, de um lutador de nome artístico Randy "The Ram" Robinson, que viu os seus dias de glória há 20 anos, altura em que fora cabeça de cartaz para um PPV que foi visto em um milhão e meio de lares, e que deu azo a jogos Nintendo (as consolas mais velhinhas, da altura do jogo "WrestleMania" para PC), posters, e até figuras de acção representativas da sua personagem.
20 anos depois, porém, Robin Ramzinsky, a pessoa por trás de "The Ram", é apenas mais um dos grandes nomes de outrora, que tenta sobreviver no seu dia-a-dia à custa de eventos indy que se vão realizando na sua região de residência (na qual vive, num atrelado) e arredores, agarrando-se à camaradagem entre os colegas lutadores e à adoração que os fãs ainda sentem por Ram Robinson.
É certo que o filme ilustra o wrestling nas suas condições literalmente mais "hardcore" - desde combates com vidros por partir e arame farpado à própria decadência a que vida de "The Ram" chegou - mas a verdade é que, se não fosse pelo estado precário da situação da personagem, o filme não teria qualquer interesse. Portanto aos mais desconhecedores da matéria como o dito leitor acima referido, contextualizemo-nos.
O filme ilustra um retrato real, e bem sentido, das condições adversas com as quais os lutadores a nível mundial se deparam. Desde famílias separadas, a consumo de esteróides e analgésicos em excesso, a um certo gosto pela chamada "vida da noite", que inclui tudo desde consumo de álcool, drogas e visitas a casas de strip. (Marisa Tomei, galardoada com um Óscar, interpreta uma stripper de nome Cassidy, pela qual "The Ram" desenvolve um grande carinho e empatia, possivelmente devido a um certo espelhamento de ambas as suas vidas profissionais)
Em relação ao comentário algo extremista do leitor já referido, e colmatando também com um retrato da essência do filme, a questão aqui não é a existência, ou falta dela, dos males associados ao mundo do wrestling; a questão é apenas de escolha, como em tudo na vida, e como todas essas escolhas podem afectar a nossa vivência.
É injusto, e muito pouco real (para além de revelar uma profunda ignorância sobre a matéria) dizer que o wrestling é só composto por combates Hardcore recheados de sangue e arame farpado, "encenados" só por lutadores dopados, que vivem em barracas e atrelados sozinhos e sem família, e que transmitem "maus valores" às criancinhas.
Aqueles que conhecem aquilo de que falam, sabem bem que não é assim. Como em tudo na vida, um lutador pode acabar mal com o passar dos anos, ou pode tomar decisões ao longo da sua carreira, que o levam a ter uma vida saudável a nível pessoal e familiar, bem como completa a nível profissional, tanto dentro, como fora do wrestling.
Assim, "The Wrestler" é realmente uma perspectiva real sobre o wrestling... Mas apenas uma das várias facetas, na qual, e no filme, pelo menos a amizade e o compromisso profissional sobrevivem a uma realidade de outro modo tão árdua.
De um ponto de vista artístico, Mickey Rourke - o actor já galardoado com vários prémios prestigiantes respeitantes a este filme, e nomeado para um Óscar - sofreu uma profunda transformação, que em si, também espelha um pouco do desenvolver da sua carreira dos últimos 15 anos até à data. Durante todo o filme, são raras as vezes que somos levados a pensar "Rourke, o actor", e penso que isso seja um óptimo sinal para a nossa apreciação do filme.
No fim de contas, o filme recomenda-se, particularmente a quem já perceba o que é o wrestling, as vertentes de wrestling que há, e estado ciente que não é só aquilo que se vê no ecrã pela primeira vez que define a totalidade do wrestling. Não tenhamos a inocência de julgar o bolo pela fatia...
Mas não se surpreendam com a tradução de termos técnicos como "face" e "heel" (traduzidos literalmente por "cara" e calcanhar")... É triste ver que a falta de interesse por uma temática pode prejudicar o profissionalismo e o trabalho de alguém...
Vão ver. 4/5.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment